O ato de educar é, em si
mesmo, o ato da busca da autonomia. Autonomia esta desencadeada pelo processo e
fortalecida por ele, os agentes externos ocupando papéis que auxiliam e não
devem definir as direções tomadas pelo sujeito, o aluno. A diversidade, no
contexto de busca da autonomia, apresenta-se, no meu ponto de vista, como um
aspecto que, por não ser um agente direto e claro como o professor, exerce de
forma sutil uma influência capaz de grandes mudanças, ou de grandes
conservações. Olhar o diferente em afirmação do eu, ou olhar o diferente em
paralelo ao eu? São pontos de vista, óticas questionadoras, presentes em uma
sala de aula.
As minorias no Brasil, ou em
qualquer lugar do mundo, sempre foram movimentadas em direção ao seu final. Os
povos originários ou se adaptaram a cultura ocidental por vias de um processo
civilizatório, citado por Norbert Elias, violento ou não, ou caminharam em
direção a um isolamento imposto que gera como produto a inconstância de
discursos entre estes grupos e os poderes constituídos de forma legal no Brasil,
juridicamente falando. Os índios não são nenhuma minoria, mas o processo de
construção destes como tal os segregou, os marginalizou. Os negros passaram por
semelhante processo, expatriados de sua terra e escravizados no Brasil,
obtiveram, por meio de um processo histórico brutal de marginalização, a mesma
condição periférica dos índios, em relação a um ordenamento jurídico. A
eugenia, a imigração europeia sob a égide de ‘branqueamento’ da população
brasileira são somente exemplos do processo em si.
A Constituição de 1988 mudou
alguns destes paradigmas, mas o quadro em si, do meu ponto de vista, não tem
sua mudança atrelada a somente um norteador jurídico, ao menos em termos de
futuro. No que concerne à educação, somente a partir de 1988 se vislumbrou, sob
a forma da legalidade política, a produção de livros didáticos que
contemplassem a cultura indígena e somente a partir de uma resolução de 2003,
que a história e cultura negra brasileira passou a ser contemplada em sala de
aula, como obrigatoriedade. Os avanços são parcos e obscurecidos, muitas das
vezes, por uma sutileza gritante, se me permitem a redundância. As
Universidades Federais são um exemplo disso: se antes da lei das cotas apenas 3%
dos seus estudantes eram negros e, admitindo um paradigma positivista
quantitativo, se vermos o número de professores que são negros, justifico a
minha posição. “Algo está errado”, é a primeira coisa que penso.
Piaget afirmava que a
educação, como processo de aprendizado, se dá pela fisiologia e pelas
interações sociais que temos. Admitindo a diversidade podemos aprender muito
mais do que simplesmente a substância, formatada como conteúdo, que nos é transmitida.
O ato de educar como ato de autonomia é isso. O professor tem um papel, em sala
de aula, de mediação das diferenças em um sentido de ‘paralelização’, ou seja,
tem um papel de proporcionar uma visão diferente daquela que considera o outro
como inimigo. Autonomia em forma de decisões, autonomia em forma possibilidade,
por parte do sujeito, de visão da cena completa, do entendimento do contexto. O
preconceito é uma construção social e histórica que se formalizou ao longo dos
tempos sob a forma de discursos de ‘pureza’, de ‘retorno’, de ‘totalitarismos’,
ou de outras deformações tão claras ao mesmo tempo em que tão estúpidas
destroem as possibilidades. Neste sentido, o ordenamento jurídico é
importantíssimo, mas o caminho de sua sublimação em uma real mudança é mais
tortuoso, é mais difícil e passa, consequentemente, pela educação.