terça-feira, 20 de novembro de 2012

Autonomia como condição e desejo


O ato de educar é, em si mesmo, o ato da busca da autonomia. Autonomia esta desencadeada pelo processo e fortalecida por ele, os agentes externos ocupando papéis que auxiliam e não devem definir as direções tomadas pelo sujeito, o aluno. A diversidade, no contexto de busca da autonomia, apresenta-se, no meu ponto de vista, como um aspecto que, por não ser um agente direto e claro como o professor, exerce de forma sutil uma influência capaz de grandes mudanças, ou de grandes conservações. Olhar o diferente em afirmação do eu, ou olhar o diferente em paralelo ao eu? São pontos de vista, óticas questionadoras, presentes em uma sala de aula.
As minorias no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo, sempre foram movimentadas em direção ao seu final. Os povos originários ou se adaptaram a cultura ocidental por vias de um processo civilizatório, citado por Norbert Elias, violento ou não, ou caminharam em direção a um isolamento imposto que gera como produto a inconstância de discursos entre estes grupos e os poderes constituídos de forma legal no Brasil, juridicamente falando. Os índios não são nenhuma minoria, mas o processo de construção destes como tal os segregou, os marginalizou. Os negros passaram por semelhante processo, expatriados de sua terra e escravizados no Brasil, obtiveram, por meio de um processo histórico brutal de marginalização, a mesma condição periférica dos índios, em relação a um ordenamento jurídico. A eugenia, a imigração europeia sob a égide de ‘branqueamento’ da população brasileira são somente exemplos do processo em si.
A Constituição de 1988 mudou alguns destes paradigmas, mas o quadro em si, do meu ponto de vista, não tem sua mudança atrelada a somente um norteador jurídico, ao menos em termos de futuro. No que concerne à educação, somente a partir de 1988 se vislumbrou, sob a forma da legalidade política, a produção de livros didáticos que contemplassem a cultura indígena e somente a partir de uma resolução de 2003, que a história e cultura negra brasileira passou a ser contemplada em sala de aula, como obrigatoriedade. Os avanços são parcos e obscurecidos, muitas das vezes, por uma sutileza gritante, se me permitem a redundância. As Universidades Federais são um exemplo disso: se antes da lei das cotas apenas 3% dos seus estudantes eram negros e, admitindo um paradigma positivista quantitativo, se vermos o número de professores que são negros, justifico a minha posição. “Algo está errado”, é a primeira coisa que penso.
Piaget afirmava que a educação, como processo de aprendizado, se dá pela fisiologia e pelas interações sociais que temos. Admitindo a diversidade podemos aprender muito mais do que simplesmente a substância, formatada como conteúdo, que nos é transmitida. O ato de educar como ato de autonomia é isso. O professor tem um papel, em sala de aula, de mediação das diferenças em um sentido de ‘paralelização’, ou seja, tem um papel de proporcionar uma visão diferente daquela que considera o outro como inimigo. Autonomia em forma de decisões, autonomia em forma possibilidade, por parte do sujeito, de visão da cena completa, do entendimento do contexto. O preconceito é uma construção social e histórica que se formalizou ao longo dos tempos sob a forma de discursos de ‘pureza’, de ‘retorno’, de ‘totalitarismos’, ou de outras deformações tão claras ao mesmo tempo em que tão estúpidas destroem as possibilidades. Neste sentido, o ordenamento jurídico é importantíssimo, mas o caminho de sua sublimação em uma real mudança é mais tortuoso, é mais difícil e passa, consequentemente, pela educação.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ENEM


Fiz o ENEM no final de semana e, traçando um paralelo, poderia compará-lo as eleições americanas. Poderia também compará-lo as eleições como um todo, municipais brasileiras, e, deixe-me ver o que mais aconteceu nesses últimos tempos: … Acho que isso, por enquanto, é irrelevante. O ENEM, à meu ver, não passa de uma estratégia e, em certos aspectos, uma estratégia bem articulada. Toda aquela história de unificação de uma prova para todos os estudantes, ou possíveis estudantes, a facilitação da entrada em uma Universidade, a concessão de bolsas do Governo Federal... servem como recursos de uma estratégia que, a longo prazo, terá um papel alienatório. A alienação é um estado de inércia, o olhar fixo que nos fala Erasmo, e consequentemente de permanência. O ENEM, apesar de suas implicações pedagógicas do 'fazer pensar', aliena todas as escolas, principalmente as públicas, ao seu bel-prazer de 180 questões. As escolas particulares já estão formatadas nessa direção há muito tempo.
Quando digo alienação vejo um norte bem definido: As propostas pedagógicas autônomas se dissolvendo em favor da colocação no ENEM. Os estudantes, que já não muito preocupados com os conteúdos, exigem de alguns professores que as suas aulas se configurem às necessidades 'eneísticas', interrompem um processo e fundam um novo, porém não tão 'novo assim'. Essas experiências de totalidade não costumam dar muito certo. Costumam, a caráter longínquo, disfarçar certas atrocidades e obscurecer possibilidades. A Escola de Frankfurt, instituto alemão de pesquisa social, forjou o conceito de 'Industria Cultural' que, no meu ponto de vista, se encaixa perfeitamente a este experiência de prova única. Vejam bem, não tenho nada contra a prova do ENEM, mas sim contra o seu caráter totalizante de ingresso ao vestibular. Aos poucos a prova esta forjando um modelo único, padronizado, que assim como a 'Indústria Cultural' assenta segmentos sobre o pseudo-individualismo. O ENEM como prova, ou seja, o ENEM em si, possui um caráter próprio e até necessário em sentido de avaliação, mas a sua utilização como o modelo geral, que expõe as escolas a uma mudança que, às vezes, as destituem ainda mais de sua autonomia.
Estudei em uma escola particular no Ensino Médio. Nesta escola a média do ENEM servia como propaganda mercantil: "tragam seus filhos para o nosso colégio, temos a melhor média do ENEM de toda a região". Porém, os laços que formei nessa escola foram justamente os mesmos que formei com todos os Brunos da minha sala, no dia da prova, ou seja, nenhum. Não posso culpar totalmente a escola, é claro. A falta de socialização tem muitos fatores a considerar, sendo que a vontade desta também pode ser abalada, mas, como estudo comparativo, identifiquei nas escolas públicas o registro de laços muito maior do que no ensino privado. O ponto que quero chegar com tudo isso é: as escolas estão mudando sua razão de ser em nome da reprodução do modelo do ENEM, ou melhor, da nota do ENEM.
O paralelo que queria traçar no início do texto era mais ou menos esse: as eleições, na democracia representativa, são a somatória de fatores, não a totalidade. As escolhas muitas vezes se baseiam na não participação, muito mais do que na participação. Não quero, vejam bem, com isso, defender outro modelo, ou gerar uma 'alternativa' mais participativa, mas, simplesmente, ilustrar um processo. O processo que se baseia em uma maioria não-participativa é o mesmo que produz um modelo de prova, de avaliação, que assume um caráter total, um parâmetro que, obviamente, não pode sê-lo. 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O Pequeno Príncipe e a noção de Pegada Ecológica

A proposta de nosso grupo como atividade interdisciplinar deveria relacionar quatro disciplinas que, a primeira vista, poderiam ser vistas como instransponíveis no sentido de relação. Física, Letras, Biologia e Ciências Sociais se agruparam para a elaboração de um projeto que as contemplasse em sua totalidade, ou seja, não explorasse somente os lugares comuns delas. Precisavamos amarrar a proposta em um todo bem definido que as fizesse girar, as gurias da Letras surgiram primeiramente com Kafka e depois, em consenso, trouxeram 'O Pequeno Príncipe', excelente escolha. Nunca havia lido. Ronaldo, da Biologia, recomendou a Pegada Ecológica como atividade possível, fácil de contemplar todas as disciplinas, bastante interativa e 'amarrável' com o Princípe. Tínhamos o esqueleto da atividade que foi se desenvolvendo primeiro individualmente e depois como um todo, o produto foi a apresentação. 
Por ser da área de humanas, da Sociologia, enxergo no processo, mais do que no resultado, o valor de uma pesquisa, de uma proposta ou de um fato, não podemos deslocar nada da realidade com uma frieza objetiva. A sociologia não é, como muitos tentaram afirmar, uma ciência dura, objetiva, estatística, ou, ao menos, não somente assim. Depois de ler 'O Pequeno Príncipe' as coisas ficaram ainda mais claras pra mim, ao menos nesse sentido. A beleza do livro esta na sua simplicidade que não é simplória. Nas suas pretenções, tão sutis e imperceptíveis, que não são pretenciosas, Antoine Saint-Exupéry não nos mostra o objetivo, o resultado, mas, com certeza, nos mostra algo que, na minha opinião, sublima-se em um caminho. O belo final, a morte que não é morte, o caráter forte e sincero do pequenino que me lembrou o Ingênuo, de Voltaire, nos fazem viver aquele momento de leitura. Promove em nós um deslocamento da realidade que, ao mesmo tempo que intenso, é capaz de extirpar um pouco daquele caráter de rapidez e produtividade que caracteriza nossa Era. A pegada ecológica, ao contrário, ou talvez da mesma forma, nos joga em uma realidade de auto-questionamento, a comparação que nos choca, o impacto que nos é imputado, talvez nos façam cuidar de nossos próprios 'Baobás'. O rastro é uma parte de nós, uma parte que fica e influencia.
...

O ponto de intersecção mais claro, no meu ponto de vista, entre ‘O Pequeno Príncipe’ e a noção de pegada ecológica, pode ser expresso pela frase dita pela raposa, após explicar ao pequeno príncipe o que era “cativar”, os laços de necessidade que surgem após ela, como ação:
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Os laços são feitos e são eternos, são estes que fazem, como o Príncipe, sermos cativado por uma rosa em meio a tantas outras. A pegada ecológica é somente o produto disto. A noção de pegada, de rastro, que deixamos no planeta a partir de nossas ações, do nosso consumo, está intrínseca ao nível de laço que enxergamos na necessidade de interação com ele. Tanto as nossas ações, como indivíduos, quanto as ações dos países, conjunturais, ou dos interesses, como agentes definitivos, estão interligados a noção que possuímos e se percebemos, ou não, o tamanho do impacto dos rastros que deixamos. Se cativamos, ou somos cativados, nossa visão é, consequentemente, diferente.
A Sociologia pode entrar nesse contexto como um parâmetro para a análise do social, ou seja, das ações, interações ou omissões entre os indivíduos enquanto seres sociais, afinal, a sociedade não é, simplesmente, a soma dos indivíduos. Conceitos de Marx como: o fetichismo de mercado (o consumo em si e a sua necessidade), quanto a mais-valia (lucro e razão de ser do Capitalismo, ou seja, razão de ser do consumo) ou a alienação (produzida a partir de um consumo em si, indiscriminado) podem ser explorados. A sua concepção de divisão do trabalho, aprofundada e modificada, por outros meios, em Durkheim: A especificidade cada vez maior no trabalho da sociedade moderna. Especificidade esta que acaba produzindo laços de dependência entre os ‘sujeitos sociais’, nós, que gera, por fim, uma noção de solidariedade. Solidariedade, é claro, ligada a necessidade.
A pegada ecológica é, neste contexto, um olhar sobre si que é possível somente a partir da compreensão de nossa responsabilidade (nossa ação como sendo coletiva, apesar de individual). A expressão: ‘Privatizamos o lucro e socializamos o prejuízo’, basta para afirmar esta máxima, ou seja, ter um olhar sobre os gráficos que atestam a diferença de rastro entre países ‘desenvolvidos’ e ‘subdesenvolvidos’ ilustram este olhar sobre si. Entretanto, o olhar e a posterior ação perante esta diferença passam por uma formação da ideia de sujeito autônomo, formado, este é o papel, por um processo educativo que saiba aliados aos impactos e as causas daquilo que cultivamos.